domingo, 6 de março de 2011

...



Álvaro de Campos



É preciso chorar,
o que também é difícil...
Expulsar de mim o que me tira o sono
(e o que me leva a fome).
É preciso digerir a cidade (me disseram).
Sim, é preciso amar
a fumaça noturna das chaminés,
a algazarra da misturadora de cimento
nas ruas que não dormem.

Mas, a bordo da noite, fantasma,
Queria o poço mais escuro e esquecido,
silêncio e escuridão
(eu não acredito na luz elétrica).
Não, eu não queria falar das coisas que eu sei.
Queria me ocupar da trovoada,
porque anuncia a chuva,
e do horário das marés,
que delas depende a nossa fome.
Queria te falar, meu companheiro,
das coisas que eu consegui retirar da areia,
e ouvir também as tuas descobertas.
O meu cabelo será sempre, no vento,
macio como depois do amor.

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